Considerações
O grande avanço da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, foi estabelecer distinção entre plano de benefícios e entidade fechada de previdência complementar. Apesar de haver conferido ao plano de benefícios identidade própria, a referida Lei Complementar não lhe garantiu independência patrimonial.
Depois de transcorridos três anos, a Resolução do Conselho de Gestão da Previdência Complementar nº 14, de 1º de outubro de 2004, criou o Cadastro Nacional de Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – CNPB.
O artigo 3º da referida Resolução dispõe sobre a independência patrimonial ao estabelecer que “cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos. ”
O parágrafo 1º do citado artigo reforça essa ideia da segregação ao dispor que “os recursos de um plano de benefícios não respondem por obrigações de outro plano de benefícios operado pela mesma EFPC. ”
Esses dispositivos atingem plenamente os seus objetivos no que concerne às ações oriundas da administração da entidade fechada, mas não são suficientes quando a ação advém de terceiros e por via judicial. A confirmação disso é obtida no dia-a-dia, mediante a penhora on-line, que, antes que a Entidade tome conhecimento da sua existência, bloqueia e transfere recursos da primeira conta corrente ou fundo de investimento que encontrar, independentemente do plano de benefícios a que esteja vinculada.
Esse procedimento cria sérias dificuldades para as entidades multipatrocinadas, uma vez que expressa insegurança patrimonial. Além desse aspecto, que atua contra o desenvolvimento do sistema fechado, há o fato de que a correção do estrago provocado pela penhora on-line pode demandar diversas operações de acerto, caso o atingido seja um fundo de renda variável, em virtude da sua habitual volatilidade.
Na hipótese de transferência de gerenciamento, em que o patrimônio de um plano de benefícios é transferido para outra entidade fechada, a entidade cedente permanece respondendo às ações judiciais referentes ao plano transferido, o que poderá imputar aos planos que administra um ônus que não lhes cabe.
A administração da entidade fechada é ainda afetada na realização dos investimentos, uma vez que são feitos em nome da entidade, não havendo qualquer distinção quanto ao plano de benefícios a que se referem. Isso obriga a entidade a não aplicar em um mesmo fundo de investimentos recursos de dois planos de benefícios, impedindo-a de conseguir taxas de administração menores para Planos novos, ainda com poucos recursos.
Esses fatos deram origem ao entendimento de que os problemas decorrentes de ações judiciais são o resultado do desconhecimento dos juízes a respeito da previdência complementar e que deveríamos investir em educação previdenciária para o judiciário. Outros entendem que a melhor alternativa seria o CNPJ ao invés do CNPB.
A substituição do CNPB pelo CNPJ não se resume a uma simples troca de letras, uma vez que implicaria na transformação do Plano de Benefícios em pessoa jurídica, o que exigiria uma lei complementar e importaria em profundas mudanças na governança, nos tributos e nas despesas administrativas.
As dificuldades com o judiciário não têm origem no desconhecimento deste a respeito das normas da previdência complementar. O que ocorre é que, exceto no que concerne às decisões provenientes da administração da entidade fechada, a referida Resolução do CGPC nº 14 não é capaz de produzir os efeitos a que se propõe.
A Lei nº 5.869, de 11 de setembro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil, estabelece em seu artigo 591 que: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. ”
A ressalva do artigo 591 é que permite segregar do patrimônio da entidade o patrimônio do plano de benefícios, mas essa ressalva deve ser estabelecida em lei.
Por conseguinte, a fragilidade do CNPB reside no fato de a independência patrimonial do plano de benefício constituir-se numa restrição estabelecida por uma Resolução do CGPC e não por uma lei, como exige o artigo 591, do Código de Processo Civil.
Isso foi o que fez a Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, ao introduzir o regime do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, segundo o qual os bens, direitos e obrigações de um empreendimento não se comunicam com os do incorporador e com os de outros empreendimentos.
A PREVHAB defende a adoção dessa solução para o sistema fechado de previdência complementar, mediante uma lei que traduza os objetivos da Resolução CGPC nº 14. Com essa finalidade, encaminhou à PREVIC, em 2011, a sua proposta da anteprojeto de lei, reconhecendo a independência do patrimônio dos planos de benefícios.
A promulgação de uma lei que introduzisse o regime do patrimônio de afetação no sistema fechado de previdência complementar estabeleceria a segregação do patrimônio de cada plano de benefícios para todos os efeitos, obrigando a instituição de um mecanismo operacional para expressar essa segregação, que bem poderia ser o CNPJ, então sem a necessidade de que o Plano fosse transformado em pessoa jurídica.
Anteprojeto de lei
Dispõe sobre o reconhecimento da autonomia patrimonial dos planos fechados de previdência complementar.
Art. 1º – Os bens, direitos e obrigações oriundos da administração de plano de benefícios de que trata a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, administrados por entidade fechada de previdência complementar, constituem patrimônio de afetação autônomo destinado à consecução das finalidades estabelecidas no regulamento do plano de benefícios.
Art. 2º – O patrimônio de afetação de cada plano de benefícios não se comunica com os patrimônios de afetação vinculados aos demais planos de benefícios administrados pela mesma entidade fechada de previdência complementar.
Art. 3º – Os bens e direitos integrantes do patrimônio de um plano de benefícios não poderão ser penhorados, sequestrados, arrestados nem ser objeto de qualquer outra forma de constrição judicial em decorrência de dívida de outro plano operado pela mesma entidade fechada de previdência complementar.
Art. 4º – Cada plano de benefícios terá contabilidade própria. A contabilidade da entidade fechada de previdência complementar incorporará as informações contábeis dos patrimônios de afetação que administra.